Passo o primeiro dia no país de Hugo Claus quando em Portugal se comemoram os 94 anos da Implantação da Epública, essa evolução que trocou a monarquia por um mal menor. Aqui não só não é feriado, como os gajos ainda têm rei. Um rei! Mas que cena mais atrasada! E são estes gajos o centro da Europa. Um rei! Ah! ah! ah!
De resto, a Bélgica é um país doente. Basta ler qualquer livro do Hugo Claus para o perceber. Os excelentes A Caça aos Patos, Rumores e O Desgosto da Bélgica estão editados pela Asa e a bom preço. Recomendo.
Este povo é estranho. Já nem falo da pedofilia em barda, porque isso atinge uma tal dimensão que aí, no nosso querido país, não dá para percebermos. Felizmente. Falo de outras coisas. Por exemplo: não atravessam a rua enquanto o sinal dos peões não muda para o verde, mesmo que não venha nenhum carro (ficam especados no passeio, a olhar para ontem), mas, por outro lado, desconhecem a existência de bichas para os transportes. Mal chega o autocarro, precipitam-se todos alarvemente, aos empurrões, para entrarem (como nós só fazemos no Metro). Li uma vez que, em Moçambique, nas antigas longas filas para comprar víveres, bastava alguém sair da fila e deixar uma pedra no seu lugar que isso era respeitado e ninguém lhe passava à frente. Havia de isso se passar entre os belgas...
A falta de vogais de que sofrem os croatas é compensada pelo seu excesso na língua flamenga: Aanveers, Voorde, Caarloos Cuunhaa, etc. Devem ter dificuldades de leitura, porque estão sempre a repetir as vogais. Isso não impede que tenham excelentes escritores. Assim de repente lembro-me de... um. Hugo Claus. Deve haver mais, claro. Num país com dez milhões de pessoas, há-de haver mais escritores dignos desse nome. Por exemplo, em Portugal, com o inconveniente da luz, do bom clima e da boa comida, temos aí uns 4 ou 5. Ou mais. (Ora deixa lá ver: Agustina, António Lobo Antunes, Saramago, Mário de Carvalho, Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís, Mário de Carvalho - sem esquecer o Saramago, claro -, António Lobo Antunes, etc.). Bom, aqui há a desvantagem das miúdas serem giras, o que não ajuda nada à criação literária.
E a televisão! Já não me lembrava que eles dobram os filmes. Já não bastava dobrarem os livros (e que pena é, as livrarias são excelentes, muito agradáveis, com cafezinho e salas de estar, os livros têm edições muito atraentes, são baratos e bonitos), todos em estrangeiro, apenas em francês ou - pior - em flamengo, ainda estragam os filmes. Ontem passou o Quaresma e o filme estava dobrado em flamengo. Todo, todo. Não percebi quase nada da história - pouco mais do que quando o vi no Fonte Nova.
Já comi as famosas moules, o prato tradicional belga. São mexilhões! Simples mexilhões cozidos quase sem tempero, e acompanhados de... batatas fritas! Isto diz muito sobre um povo. O prato nacional belga (de francófonos e flamengos) é uma entrada em Portugal, uma coisa que se vende enlatada para os solteiros preguiçosos ou, na melhor das hipóteses, um petisco nas tardes de calor. E nós temos o bom senso de temperar os bichos, ao contrário do que faz esta gente. Claro que evitei as cervejas "especiais", com sabores (a vários tipos de xarope para a tosse), às corzinhas, adocicadas, patati-patatá. Graças a Deus (são católicos, vá lá...) há cervejas normais.