25 de maio de 2004

road of 1000 corpses

Há um novo gato morto no IC 19. Ainda ontem, encostado à divisória de betão, tinha a cauda sobreposta ao traço contínuo que proíbe os condutores de transporem as faixas de rodagem para o sentido contrário, no caso de conseguirem saltar os blocos de betão cinzento que enfeitam grande parte da estrada. Deve ser visível durante algum tempo, pois ninguém se preocupa em retirar o bicho da estrada. Se fosse uma televisão, um sofá ou um telemóvel, rapidamente alguém o recolhia. Assim não, fica para ali a decompor-se alegremente à vista de todos.
A média de animais mortos (cães, gatos, ratos e esquilos) e depostos em simultâneo nas bermas da 2ª Circular e do IC 19 é de 4,15. Alguns cadáveres chegam a perdurar na estrada mais de três meses, pelo que estas vias sacras se tornam laboratórios vivos (passe a expressão) de tanatologia. Aí pode observar-se o desenvolvimento dos chamados fenómenos destrutivos dos cadáveres: a autólise, a necrobiose, a putrefacção e a maceração, bem como os seus vários modos (por organismos – aeróbios, aeróbios facultativos e anaeróbios) e suas diversas fases de evolução (coloração, produção de gás, liquefacção e esqueletização).
Significa isto que, ao longo de poucas semanas, se pode observar ao vivo (lá estou eu outra vez, desculpem) e a cores a metamorfose dos cadáveres, desde o estado imediato à morte (por atropelamento, claro), em que o corpo do animal ainda se encontra quente e o sangue e as entranhas se apresentam com um vermelho vivo (bolas, hoje não acerto nas palavras!), passando pelo inchaço do corpo e início da sua decomposição, até à diluição da massa óssea e do couro no asfalto, transformando-se o ex-animal no tapete por onde rolam as viaturas dos felizardos que atravessam Lisboa e Sintra todos os dias. É possível, por exemplo, verificar a lenta transformação do pêlo dos gatinhos, primeiro enchendo-se de pó e terra, depois tornando-se rijo, espesso e fusco, devido ao escurecimento do sangue seco, e por último ficando progressivamente mais fino, pela decomposição das gorduras e fermentação caséica e amoniacal.
Tudo isto, evidentemente, com a participação activa dos vários tipos de insectos, ácaros e outros artrópodes que acompanham a mutação do cadáver fresco até aos seus restos dessecados. Sim, uma parte das aulas diárias é dedicada à entomologia. Mas isso fica para mais tarde. Afinal, vamos todos passar por isso.

2 Comments:

Blogger Josefina said...

Não deixes de ir actualizando estes dados tão interessantes sem os quais leveríamos uam existência bem mais monótona, preocupados com banalidades alegres e airosas!

25 de maio de 2004 às 15:05  
Anonymous Anónimo said...

eu não sou anónimo , sou o chalabi_red@hotmail.com mas não dou a minha password sem mais nem menos ( manias ) .

e sobre as "danças com gatos" - para prolongar o trocadilho - quero louvar tema e estilo . boas partículas que se vão encontrando por aqui

26 de maio de 2004 às 11:47  

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