31 de agosto de 2004

este é o meu corpo


30 de agosto de 2004

auto do barco

Perguntam-me por que razão nada escrevo sobre o barquito das feministas que vieram a Portugal, em cruzeiro, fazer publicidade a laboratórios farmacêuticos, medicamentos e clínicas abortivas. Não tinha comentado ainda porque a palhaçada é tão ridícula que se torna contra-producente - e, assim, mais vale deixar as meninas destruirem os seus próprios argumentos.
Subscrevo, por uma vez, o que escreveu a Zita Seabra, no Público de ontem: «Por tudo isto, é profundamente chocante ver este drama, este último recurso, transformado numa bandeira de luta, ou remetido banalmente para direito cívico, para já não falar num execrável acto de agitação e propaganda. Semelhante atitude é, além do mais, demonstrativa de um profundo desrespeito pela condição feminina, e por todas as mulheres e homens que fazem da maternidade e da paternidade um acto livre, responsável e muito, muito desejado. É um desrespeito por todas aquelas mulheres que, apesar das condições, das agruras da vida e das brutalidades que por vezes acontecem, decidem deixar, contra tudo e contra todos, prosseguir a gravidez que não desejaram, mas que lhes aconteceu».

27 de agosto de 2004

nova criação

Uma empregada de limpeza do Tate Gallery, em Londres, deitou, por erro, para o lixo uma peça que integrava uma exposição de arte moderna" (ver imagem aqui).
A obra de arte, lindíssima, da autoria do alemão Gustav Metzger, intitula-se Nova criação da apresentação pública de uma arte auto-destrutiva, e foi criada em 1960, provavelmente depois de vários meses de reflexão (que deram origem a vários manifestos de exíguo vocabulário), e de execução prolongada no tempo.
A empregada de limpeza, interagindo (embora abusivamente) com a peça, tornou-a definitiva, transformando-a na expressão suprema e mais pura da pop art, da arte povera ou desta arte autodestrutiva. Apenas concretizou o propósito último da obra, sublinhando o carácter efémero de toda a criação artística num mundo rude, caótico e agressivo.
Eu sei bem o que é isso. Cada palavra que escrevo neste blog, cada post publicado, cada imagem escolhida, obedece a um rigoroso método de trabalho, subordina-se a uma finalidade estética, integra-se num conceito filosófico de vanguarda, no qual cada expressão da minha vivência - desde o mais simples movimento que faço, até ao modo de relacionar-me com os figurantes e actores que me rodeiam - está impregnada de uma opção estética radical absoluta. De que só eu me dou conta. Eu e a empregada de limpeza da Tate Gallery.

26 de agosto de 2004

portugal profundo

«Por ser do interesse nacional e da democracia, com o objectivo de suster o gravíssimo golpe palaciano em curso sobre a independência do poder judicial orquestrado pela rede pedófila de controlo do Estado», o blog do portugal profundo publica, na íntegra, o recurso do Ministério Público (da autoria dos procuradores Cristina Faleiro, Paula Soares e João Guerra) sobre o despacho (da juíza de instrução Ana de Barros Queiroz Teixeira e Silva) de não-pronúncia de Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves no chamado processo de pedofilia da Casa Pia. Aqui.

20 de agosto de 2004

Entre Venezuela e Nadalândia

«Estranho, esse ditador Hugo Chávez. Masoquista e suicida: criou uma Constituição que permite que o povo o tire do poder, e arriscou-se a que isso ocorresse num referendo revogatório que a Venezuela realizou pela primeira vez na história universal. Não teve castigo. E esta acabou sendo a oitava eleição que Chávez ganhou em cinco anos, com uma transparência que Bush muito gostaria de ter para um dia de festa.
Obediente à sua própria Constituição, Chávez aceitou o referendo, promovido pela oposição e pôs seu cargo a disposição do povo: "Decidam vocês". Até agora, os presidentes interromperam sua gestão somente pela morte, golpe militar, insurreição popular ou decisão parlamentar. O referendo inaugurou uma forma inédita de democracia directa. Um acontecimento extraordinário: quantos presidentes de qualquer país do mundo se animariam a fazê-lo? E quantos continuariam a ser presidentes depois de fazê-lo?
Esse tirano inventado pelos grandes meios de comunicação, este terrível demónio, acaba de dar uma tremenda injecção de vitaminas à democracia, que na América Latina, e não só na América Latina, anda adoentada e precisando de energia.
Um mês antes, Carlos Andrés Pérez, anjinho de Deus, democrata adorado por todos os grandes meios de comunicação, anunciou um golpe de Estado aos quatro ventos. Prontamente afirmou que "a via violenta" era a única possível na Venezuela, e depreciou o referendo "porque não faz parte da idiossincrasia latino-americana". A idiossincrasia latino-americana, ou seja, nosso precioso legado: o povo surdo-mudo.
Há poucos anos, os venezuelanos iam a praia quando havia eleições. O voto não era, nem é, obrigatório. Mas o país passou da apatia total ao total entusiasmo. A multidão de eleitores, filas enormes esperando ao sol, de pé, durante horas e horas, desbordou todas as estruturas previstas para a votação. A inundação democrática tornou também dificultosa a aplicação da prevista tecnologia último modelo para evitar fraudes, nesse país onde os mortos têm o mau costume de votar e onde alguns vivos votam várias vezes em cada eleição, talvez por culpa do mal de Parkinson.
"Aqui não há liberdade de expressão!", dizem com absoluta liberdade de expressão os ecrãs de televisão, as ondas de rádio e as páginas dos jornais. Chávez não fechou nenhuma das bocas que quotidianamente cospem insultos e mentiras. Impunemente ocorre a guerra química destinada a envenenar a opinião pública. O único canal de televisão fechado na Venezuela, o canal 8, não foi vítima de Chávez mas dos que usurparam sua presidência, por um par de dias, no fugaz golpe de Estado de Abril de 2002. E quando Chávez voltou da prisão e recuperou a presidência nas mãos de uma imensa multidão, os grandes meios venezuelanos não se inteiraram da novidade. A televisão privada esteve todo o dia passando filmes de Tom e Jerry.
Essa televisão exemplar mereceu o prémio que o rei da Espanha outorga ao melhor jornalismo. O rei recompensou uma reportagem desses dias turbulentos de Abril. O filme era uma fraude. Mostrava os selvagens chavistas disparando contra uma inocente manifestação de opositores desarmados. A manifestação não existia, segundo se demonstrou com provas irrefutáveis, mas se vê que esse detalhe não tinha importância porque o prémio não foi retirado.
Até recentemente, na Venezuela, paraíso petroleiro, o censo reconhecia oficialmente um milhão e meio de analfabetos e havia cinco milhões de venezuelanos sem registro e sem direitos cívicos. Esses e muitos outros invisíveis não estão dispostos a regressar à Nadalândia, que é o país onde habitam os ninguéns. Eles conquistaram seu país, que tão alienado era: este referendo provou, uma vez mais, que ali eles ficam».
Eduardo Galeano

19 de agosto de 2004

futebolímpico

Malvados! Fizeram chorar o PR outra vez!
E ao Governo, «que sempre acreditou nesta selecção, que o Governo recolocou no projecto olímpico desde Janeiro de 2003 e após dois anos de afastamento»? Putos ingratos, é o que são!
Agora admirem-se de não terem esperas no aeroporto nem felicitações e elogios e e lágrimas presidenciais em público e comunicados oficiais sobre a «grande relevância» do desporto para a nação e do futebol para a autoestima e anestesia de cada um.
E agora, o que vai ser de nós?
(Obrigado, Costa Rica)

16 de agosto de 2004

viva!

Parabéns, Hugo Chávez.
- Porque Chávez ha sido el único Presidente que gobierna para el pueblo y no para la oligarquía.
- Porque ahora los pobres pueden recibir una educación de primera en las Escuelas Bolivarianas.
- Porque Chávez puso en marcha la Misión Robinson para enseñar a leer y escribir a más de un millón de venezolanos.
- Porque la Misión Sucre le abre las puertas de la Universidad a cientos de miles de bachilleres sin cupo.
- Porque la Misión Ribas permite a los estudiantes terminar su bachillerato.
- Porque el Plan Barrio Adentro llega hasta los barrios a prestar asistencia médica de primera a nuestros compatriotas más necesitados.
- Porque Chávez decretó la La Ley de Tierras Urbanas, que entrega títulos de propiedad a sus legítimos dueños.
- Porque Chávez cumplió su palabra de homologar las pensiones con el salario mínimo, beneficiando a cientos de miles de personas de la tercera edad.
- Porque ahora los campesinos tendrán tierra para sembrar, créditos, ayuda técnica y tractores, gracias a la Ley de Tierras.
- Porque Chávez prohibió el cobro de matrícula en la educación pública beneficiando a cientos de miles de niños de escasos recursos.
- Porque ahora PDVSA es propiedad de la nación y sus recursos servirán para mejorar las condiciones de vida de nuestro pueblo.
- Porque Venezuela recuperó su soberanía y tiene voz propia en el concierto de las naciones e impulsa las unidad de los pueblos de latinoamárica y el Caribe, como lo soñó Bolívar.
- Porque el gobierno revolucionario democratizó los créditos que permiten la creación de microempresas y cooperativas, para ayudar a los pobres.
- Porque Chávez desmontó el puntofijismo e hizo posible la Constitución Bolivariana.
- Porque con Hugo Chávez sigue gobernando el pueblo!

o nosso pé ésse

Uma das vantagens dos partidos do centro é consequência da ausência de uma linha ideológica definida, da construção programática baseada em conceitos vagos, muito adjectivada mas pouco substantiva, e de um discurso recheado de banalidades e frases feitas, com as quais a maioria da população tende, sem esforço, a concordar.
Assim, as peripécias internas, quer do PS quer do PSD, são seguidas à laia de novela pelos seus intervenientes (que assumem bem o papel de personagens), pela comunicação social (que alimenta e se alimenta do folclore partidário em detrimento do conteúdo das propostas ou dos debates) e pelos cidadãos / tele-espectadores (que se posicionam perante o teatro que assistem, ao lado de uma ou mais personagens, com as quais se identificam, quase sempre pelos piores motivos). Só a conjugação destes ingredientes possibilitou que Santana Lopes chegasse ao poder. É verdade que foi ajudado pela hesitação e receio do Jorge Sampaio, mas o caminho ao populismo estava aberto. A constituição do XIV governo constitucional representa a vitória da mediocridade, dos políticos ocos e da política espectáculo, dos mecanismos publicitários, da personalização da acção política.
Cada português tem o seu político ou a sua ala ou tendência preferida em cada um dos partidos do centrão. Eu próprio já aqui louvei as virtudes de Pacheco Pereira, pelo que não estou isento destes fenómenos identitários. É neste contexto que vão decorrer as eleições no PS. A pergunta dos inquéritos de opinião torna-se, portanto, natural: qual é o seu líder do PS preferido? O mesmo acontece com o PSD. Uma resposta correcta seria Isso é lá com eles. Eles que são brancos que se entendam. Mas não. Cada compatriota sente-se no direito de se manifestar. Afinal, fazemos todos parte do público. E pagámos bilhete.

12 de agosto de 2004

espírito olímpico

Parabéns, selecção.


O importante
não é vencer,
o importante
é participar.


Mas, por favor, não façam chorar novamente o senhor Presidente da República. O nosso, claro.

9 de agosto de 2004

words, words, words

- Número de vezes em que aparece a palavra pobreza aparece nas 229 páginas do Programa do XVI Governo Constitucional: 1 (uma);
- Número de vezes em que aparece a palavra sinergias: 7 (sete);
- Número de vezes em que aparece a palavra incentivo: 33 (trinta e três).

6 de agosto de 2004

50.000 km

4 de agosto de 2004

ver ou não ver


Henri Cartier-Bresson [1908-2004]

3 de agosto de 2004

Raduan Nassar

Devo a uma amiga, a Sara, a minha Secretária de Estado pessoal para os Livros, a descoberta do escritor brasileiro Raduan Nassar, graças a quem ultrapassei o meu preconceito para com a literatura brasileira e que me desvelou o olhar para um universo literário que, injusta mas conscientemente, eu ignorava.
Raduan Nassar abandonou a escrita depois da criação de três obras ímpares na literatura lusófona - e dedicou-se à avicultura. (Apenas publicou dois romances, Lavoura Arcaica, em 1975, e Um Copo de Cólera, em 1978 publicados em Portugal pela Relógio d'Água); e um livro de contos, Menina A Caminho, em 1994 (editado pela Cotovia).
A inteligente escrita de Nassar é uma bomba de poesia em forma de prosa. A leitura e releitura dos textos de Nassar é uma contínua revelação, como há poucas na vida de um pobre leitor. É um encantamento com as palavras, com cada palavra, com o exacto lugar de cada palavra, com o cuidado com que cada palavra é depositada, como uma semente, numa conversa ou num texto.
Depois de, pela primeira vez, ler Raduan Nassar, resignei-me definitivamente à minha condição de leitor e caíram por terra quaisquer aspirações, por mais humildes que fossem, de vir a escrever algo que considerasse ser literatura.
Ficam aqui dois contos para incentivar a leitura dos romances de Nassar e para subverter o conceito de "literatura de férias": Hoje de Madrugada (agradeço-te mais uma vez, Sara, por me teres obrigado a ler este conto numa livraria) e O Ventre Seco, ambos escritos em 1970.

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