a mão esquerda do Papa
Ao Daniel Oliveira, porque a Igreja não recusa dar a mão aos irmãos.
UM BLOG ÁCIDO. PARA DOCE JÁ BASTA A VIDA
Diz o meu amigo AR, a propósito de um contrato qualquer que tem de outorgar nesse dia, que o próximo dia 22 de Junho é o «primeiro dia do resto da vida» dele.
Ora, todos os dias pertencem ao resto da minha vida. A expressão evoca-me mesmo a tristeza de quem já antevê o final dos seus dias sobre a terra (como eu, que certamente já vivi mais de metade dos dias que me couberam em sorte) e os conta desesperadamente, como se quisesse parar o tempo (o que não é o meu caso).
Pois é, AR. Hoje é dia 28 de Maio de 2004. O único dia 28 de Maio de 2004 que vamos viver em toda a nossa vida. Não há mais. Acabou-se. Puf!
Há um novo gato morto no IC 19. Ainda ontem, encostado à divisória de betão, tinha a cauda sobreposta ao traço contínuo que proíbe os condutores de transporem as faixas de rodagem para o sentido contrário, no caso de conseguirem saltar os blocos de betão cinzento que enfeitam grande parte da estrada. Deve ser visível durante algum tempo, pois ninguém se preocupa em retirar o bicho da estrada. Se fosse uma televisão, um sofá ou um telemóvel, rapidamente alguém o recolhia. Assim não, fica para ali a decompor-se alegremente à vista de todos.
A média de animais mortos (cães, gatos, ratos e esquilos) e depostos em simultâneo nas bermas da 2ª Circular e do IC 19 é de 4,15. Alguns cadáveres chegam a perdurar na estrada mais de três meses, pelo que estas vias sacras se tornam laboratórios vivos (passe a expressão) de tanatologia. Aí pode observar-se o desenvolvimento dos chamados fenómenos destrutivos dos cadáveres: a autólise, a necrobiose, a putrefacção e a maceração, bem como os seus vários modos (por organismos – aeróbios, aeróbios facultativos e anaeróbios) e suas diversas fases de evolução (coloração, produção de gás, liquefacção e esqueletização).
Significa isto que, ao longo de poucas semanas, se pode observar ao vivo (lá estou eu outra vez, desculpem) e a cores a metamorfose dos cadáveres, desde o estado imediato à morte (por atropelamento, claro), em que o corpo do animal ainda se encontra quente e o sangue e as entranhas se apresentam com um vermelho vivo (bolas, hoje não acerto nas palavras!), passando pelo inchaço do corpo e início da sua decomposição, até à diluição da massa óssea e do couro no asfalto, transformando-se o ex-animal no tapete por onde rolam as viaturas dos felizardos que atravessam Lisboa e Sintra todos os dias. É possível, por exemplo, verificar a lenta transformação do pêlo dos gatinhos, primeiro enchendo-se de pó e terra, depois tornando-se rijo, espesso e fusco, devido ao escurecimento do sangue seco, e por último ficando progressivamente mais fino, pela decomposição das gorduras e fermentação caséica e amoniacal.
Tudo isto, evidentemente, com a participação activa dos vários tipos de insectos, ácaros e outros artrópodes que acompanham a mutação do cadáver fresco até aos seus restos dessecados. Sim, uma parte das aulas diárias é dedicada à entomologia. Mas isso fica para mais tarde. Afinal, vamos todos passar por isso.
Sem muros nem ameias, a terra da alegria acolhe os estrangeiros. Às segundas-feiras. Já hoje. Sempre.
Numa loja de sanitários, móveis de casa de banho, cozinhas, azulejos, mosaicos, tijoleiras, torneiras, saboneteiras e afins, um casal escolhe um lavatório. Depois de um passeio lento pelo mostruário do estabelecimento e de folheado demoradamente os catálogos das diversas empresas, decidem-se por um modelo que tem mais a ver com eles. Hesitam depois entre o branco e uma tonalidade pastel e a opção com coluna de suporte ou encastrado directamente na parede. Estão nisto mais de uma hora. Finalmente decidem-se. O lavatório será branco e terá uma torneira toda modernaça. Ficam visivelmente satisfeitos consigo próprios. Abraçam-se e trocam olhares apaixonados.
Este momento romântico vai durar até muito depois da instalação do lavatório na feliz casa de banho familiar. Irá perdurar até a novidade da presença daquele artefacto dar lugar à habituação e à sua perda de influência como laço fundamental na união da vida amorosa do casal.
Repare-se que estamos a falar de um lavatório. Um objecto pequeno e menos digno que, por exemplo, um frigorífico. Mas é com estes adereços que se fabrica a maravilhosa existência do amor contemporâneo.
«Quando Adão errava sozinho, Deus inventou o matrimónio. Fez-lhe bem a ele e mal ao demónio»
Pode ser que sim. Mas, nos dias de hoje, o casamento é precedido de solidão, algum enamoramento, muita habituação e pouca reflexão.
Começa-se por comprar uma casa. A localização, a tipologia, o empréstimo bancário, os móveis, a casa de banho de hotel, a cozinha totalmente equipada, os pratinhos, os copinhos, a terrina, a TELEVISÃO. Enfim, a lista de casamento.
A procura da casa, a escolha do recheio, a descoberta de uma infinita panóplia de adereços e a perspectiva de mudança de vida aproximam mais os nubentes do que qualquer outra coisa (se exceptuarmos a deprimente festividade do dia do casamento). Chama-se a isso o projecto de vida em comum. Como isto - a partilha dos electrodomésticos - é demasiado sério, tudo o resto é relegado para o segundo plano.
O importante é o frigorífico. Tem de ser um frigorífico de restaurante. Grandioso e definitivo. Familiar, mesmo que seja apenas para duas pessoas. Imponente na cozinha perfeita.
Uns tempos depois, passada a novidade da casa nova, com a habituação ao espaço do outro, reduzida a influência do frigorífico e sem mais bens essenciais a comprar, o casamento necessita de novo fôlego romântico. É, então, chegada a altura de se adquirir um novo doméstico: um filho.
Parece que já há listas de baptizado.
expliquemos-lhes então que, quando se encontra o pássaro azul, devemos deixar tudo e segui-lo, qualquer que seja o seu caminho, porque transportamos em nós a força capaz de interromper o percurso cinzento dos dias e abandonamos a solenidade triste do quotidiano e trocamo-la, por instantes que seja, por uma bebida numa esplanada eterna em frente ao mar e olhamos para as mesmas coisas sempre pela primeira vez e nascemos juntos na praia e vivemos a intensidade de todos os momentos e saimos para a rua de mãos nuas e fazemos juntos a revolução e sabemos como se constroem sólidas as utopias do amor. e testemunhamos firmes que à noite escura se segue um dia absoluto e feitos reis, sacerdotes e profetas, regressamos à lógica mais pura e radical da nossa presença e rumamos inocentes para a liberdade porque sabemos, como nunca antes o soubemos, que de outro modo a vida não pode ser vivida.
Este blog encontra-se ainda em construção. O seu mentor, realizador, argumentista, produtor, actor, director de fotografia, técnico de som, etc., sou eu, o CC da extinta A Quinta Coluna.
Até ao fim dos trabalhos, serão repostados alguns dos poucos textos de jeito que o autor, mentor, realizador, argumentista, produtor, actor, director de fotografia, técnico de som, etc., publicou n'A Quinta Coluna, ao longo dos seus 10 meses de vida.
Entretanto, os caríssimos leitores podem visitar a Terra da Alegria, onde o mentor, realizador, argumentista, produtor, actor, director de fotografia, técnico de som, etc., deste belíssimo blog também escreve.
Obrigado.
Não sou muito entendido em parafilias. Aliás, nem de sexo (versão straight e tradicional) percebo grande coisa. Sou mesmo pouco entusiasta e ainda menos praticante. A repetição monótona dos mesmos gestos e movimentos, o esforço físico inerente à coisa, as secreções, a transpiração, o arfar incontrolado, os olhos semi-cerrados da parceira, os gemidos, os gritinhos - tudo isso me parece bastante aborrecido.
Claro que tenho que fingir que gosto, dizer piadas parvas sobre o assunto em conversas de amigos, disfarçar o tédio com as ideias pretensamente rebeldes sobre a triste vida sexual do meu interlocutor, e ocultar a surpresa de verificar que, verdadeiramente, ninguém se interessa sobre o assunto, embora poucos o saibam. Eu até me interesso, mas apenas sob o ponto de vida científico, da análise biológica, psicológica e sociológica da questão. Nada mais.
De facto, intriga-me a diversidade de modalidades em que se manifesta o desejo, a excitação sexual e o próprio orgasmo. Isto é, a infinita variedade de elementos erógenos com que cada indivíduo se satisfaz e que compõe cada pétala do ramalhete: desde o sadomasoquismo até à necrofilia, passando pelo transvestismo, o voyeurismo, o exibicionismo, a pedofilia, a zoofilia, o fetichismo e pelas mais estranhas taras: a acromotofilia (ou apotemnofilia), a agalmatofilia, a andromimetofilia, a asfixiofilia, a autonepiofilia (esta é muito engraçada), a clismafilia, a estigmatofilia (tão em moda), o froterismo (ocupa o 4º lugar na lista de incidência de pacientes em tratamento - basta andar de metro para ver os seus adeptos), a gerontofilia, a hifefilia, a misofilia, a normofilia (comum na "juventude" do PP), a simforofilia (viram o Crash, do Cronenbergh?) e o toucherismo. Faltam muitas mais, mas são as que se me ocorrem agora e para um post é mais que suficiente.
Dentro destas, o fetichismo leva a palma. Contém em si uma variedade de objectos (ou partes do corpo) potencialmente desencadeadores da excitação sexual: cuequinhas, meias, sapatos, roupa de couro, etc.
O que não percebo mesmo é a atracção por antenas de rádio para automóveis. Já me roubaram três este ano! Já chega! Pervertidos do #"$%"#%&!