31 de maio de 2004

a mão esquerda do Papa

Ao Daniel Oliveira, porque a Igreja não recusa dar a mão aos irmãos.

amor urbano

Eu nunca te disse «não tenho tempo».

geografia do amor

Só regressamos aos lugares de onde nunca chegámos a partir.

estratigrafia do amor

Regressamos sempre aos lugares de onde nunca chegámos a partir.

extra!, extra!

28 de maio de 2004

o resto da minha vida

Diz o meu amigo AR, a propósito de um contrato qualquer que tem de outorgar nesse dia, que o próximo dia 22 de Junho é o «primeiro dia do resto da vida» dele.
Ora, todos os dias pertencem ao resto da minha vida. A expressão evoca-me mesmo a tristeza de quem já antevê o final dos seus dias sobre a terra (como eu, que certamente já vivi mais de metade dos dias que me couberam em sorte) e os conta desesperadamente, como se quisesse parar o tempo (o que não é o meu caso).
Pois é, AR. Hoje é dia 28 de Maio de 2004. O único dia 28 de Maio de 2004 que vamos viver em toda a nossa vida. Não há mais. Acabou-se. Puf!

27 de maio de 2004

parabéns ao F. C. Porto

parece que ganharam um jogo qualquer ao Mónaco.

25 de maio de 2004

road of 1000 corpses

Há um novo gato morto no IC 19. Ainda ontem, encostado à divisória de betão, tinha a cauda sobreposta ao traço contínuo que proíbe os condutores de transporem as faixas de rodagem para o sentido contrário, no caso de conseguirem saltar os blocos de betão cinzento que enfeitam grande parte da estrada. Deve ser visível durante algum tempo, pois ninguém se preocupa em retirar o bicho da estrada. Se fosse uma televisão, um sofá ou um telemóvel, rapidamente alguém o recolhia. Assim não, fica para ali a decompor-se alegremente à vista de todos.
A média de animais mortos (cães, gatos, ratos e esquilos) e depostos em simultâneo nas bermas da 2ª Circular e do IC 19 é de 4,15. Alguns cadáveres chegam a perdurar na estrada mais de três meses, pelo que estas vias sacras se tornam laboratórios vivos (passe a expressão) de tanatologia. Aí pode observar-se o desenvolvimento dos chamados fenómenos destrutivos dos cadáveres: a autólise, a necrobiose, a putrefacção e a maceração, bem como os seus vários modos (por organismos – aeróbios, aeróbios facultativos e anaeróbios) e suas diversas fases de evolução (coloração, produção de gás, liquefacção e esqueletização).
Significa isto que, ao longo de poucas semanas, se pode observar ao vivo (lá estou eu outra vez, desculpem) e a cores a metamorfose dos cadáveres, desde o estado imediato à morte (por atropelamento, claro), em que o corpo do animal ainda se encontra quente e o sangue e as entranhas se apresentam com um vermelho vivo (bolas, hoje não acerto nas palavras!), passando pelo inchaço do corpo e início da sua decomposição, até à diluição da massa óssea e do couro no asfalto, transformando-se o ex-animal no tapete por onde rolam as viaturas dos felizardos que atravessam Lisboa e Sintra todos os dias. É possível, por exemplo, verificar a lenta transformação do pêlo dos gatinhos, primeiro enchendo-se de pó e terra, depois tornando-se rijo, espesso e fusco, devido ao escurecimento do sangue seco, e por último ficando progressivamente mais fino, pela decomposição das gorduras e fermentação caséica e amoniacal.
Tudo isto, evidentemente, com a participação activa dos vários tipos de insectos, ácaros e outros artrópodes que acompanham a mutação do cadáver fresco até aos seus restos dessecados. Sim, uma parte das aulas diárias é dedicada à entomologia. Mas isso fica para mais tarde. Afinal, vamos todos passar por isso.

24 de maio de 2004

colonato


Sem muros nem ameias, a terra da alegria acolhe os estrangeiros. Às segundas-feiras. Já hoje. Sempre.

22 de maio de 2004

45 anos


How can he really know how I feel?

21 de maio de 2004

far from heaven

Numa loja de sanitários, móveis de casa de banho, cozinhas, azulejos, mosaicos, tijoleiras, torneiras, saboneteiras e afins, um casal escolhe um lavatório. Depois de um passeio lento pelo mostruário do estabelecimento e de folheado demoradamente os catálogos das diversas empresas, decidem-se por um modelo que tem mais a ver com eles. Hesitam depois entre o branco e uma tonalidade pastel e a opção com coluna de suporte ou encastrado directamente na parede. Estão nisto mais de uma hora. Finalmente decidem-se. O lavatório será branco e terá uma torneira toda modernaça. Ficam visivelmente satisfeitos consigo próprios. Abraçam-se e trocam olhares apaixonados.
Este momento romântico vai durar até muito depois da instalação do lavatório na feliz casa de banho familiar. Irá perdurar até a novidade da presença daquele artefacto dar lugar à habituação e à sua perda de influência como laço fundamental na união da vida amorosa do casal.
Repare-se que estamos a falar de um lavatório. Um objecto pequeno e menos digno que, por exemplo, um frigorífico. Mas é com estes adereços que se fabrica a maravilhosa existência do amor contemporâneo.

listas de espera


«Quando Adão errava sozinho, Deus inventou o matrimónio. Fez-lhe bem a ele e mal ao demónio»
Pode ser que sim. Mas, nos dias de hoje, o casamento é precedido de solidão, algum enamoramento, muita habituação e pouca reflexão.
Começa-se por comprar uma casa. A localização, a tipologia, o empréstimo bancário, os móveis, a casa de banho de hotel, a cozinha totalmente equipada, os pratinhos, os copinhos, a terrina, a TELEVISÃO. Enfim, a lista de casamento.
A procura da casa, a escolha do recheio, a descoberta de uma infinita panóplia de adereços e a perspectiva de mudança de vida aproximam mais os nubentes do que qualquer outra coisa (se exceptuarmos a deprimente festividade do dia do casamento). Chama-se a isso o projecto de vida em comum. Como isto - a partilha dos electrodomésticos - é demasiado sério, tudo o resto é relegado para o segundo plano.
O importante é o frigorífico. Tem de ser um frigorífico de restaurante. Grandioso e definitivo. Familiar, mesmo que seja apenas para duas pessoas. Imponente na cozinha perfeita.
Uns tempos depois, passada a novidade da casa nova, com a habituação ao espaço do outro, reduzida a influência do frigorífico e sem mais bens essenciais a comprar, o casamento necessita de novo fôlego romântico. É, então, chegada a altura de se adquirir um novo doméstico: um filho.
Parece que já há listas de baptizado.

o desígnio da nação

Faltam 45 dias para acabar o Euro 2004.

20 de maio de 2004

explicação dos pássaros

expliquemos-lhes então que, quando se encontra o pássaro azul, devemos deixar tudo e segui-lo, qualquer que seja o seu caminho, porque transportamos em nós a força capaz de interromper o percurso cinzento dos dias e abandonamos a solenidade triste do quotidiano e trocamo-la, por instantes que seja, por uma bebida numa esplanada eterna em frente ao mar e olhamos para as mesmas coisas sempre pela primeira vez e nascemos juntos na praia e vivemos a intensidade de todos os momentos e saimos para a rua de mãos nuas e fazemos juntos a revolução e sabemos como se constroem sólidas as utopias do amor. e testemunhamos firmes que à noite escura se segue um dia absoluto e feitos reis, sacerdotes e profetas, regressamos à lógica mais pura e radical da nossa presença e rumamos inocentes para a liberdade porque sabemos, como nunca antes o soubemos, que de outro modo a vida não pode ser vivida.

19 de maio de 2004

nota editorial a la Vincent Gallo

Este blog encontra-se ainda em construção. O seu mentor, realizador, argumentista, produtor, actor, director de fotografia, técnico de som, etc., sou eu, o CC da extinta A Quinta Coluna.
Até ao fim dos trabalhos, serão repostados alguns dos poucos textos de jeito que o autor, mentor, realizador, argumentista, produtor, actor, director de fotografia, técnico de som, etc., publicou n'A Quinta Coluna, ao longo dos seus 10 meses de vida.
Entretanto, os caríssimos leitores podem visitar a Terra da Alegria, onde o mentor, realizador, argumentista, produtor, actor, director de fotografia, técnico de som, etc., deste belíssimo blog também escreve.
Obrigado.

14 de maio de 2004

parafilias

Não sou muito entendido em parafilias. Aliás, nem de sexo (versão straight e tradicional) percebo grande coisa. Sou mesmo pouco entusiasta e ainda menos praticante. A repetição monótona dos mesmos gestos e movimentos, o esforço físico inerente à coisa, as secreções, a transpiração, o arfar incontrolado, os olhos semi-cerrados da parceira, os gemidos, os gritinhos - tudo isso me parece bastante aborrecido.
Claro que tenho que fingir que gosto, dizer piadas parvas sobre o assunto em conversas de amigos, disfarçar o tédio com as ideias pretensamente rebeldes sobre a triste vida sexual do meu interlocutor, e ocultar a surpresa de verificar que, verdadeiramente, ninguém se interessa sobre o assunto, embora poucos o saibam. Eu até me interesso, mas apenas sob o ponto de vida científico, da análise biológica, psicológica e sociológica da questão. Nada mais.
De facto, intriga-me a diversidade de modalidades em que se manifesta o desejo, a excitação sexual e o próprio orgasmo. Isto é, a infinita variedade de elementos erógenos com que cada indivíduo se satisfaz e que compõe cada pétala do ramalhete: desde o sadomasoquismo até à necrofilia, passando pelo transvestismo, o voyeurismo, o exibicionismo, a pedofilia, a zoofilia, o fetichismo e pelas mais estranhas taras: a acromotofilia (ou apotemnofilia), a agalmatofilia, a andromimetofilia, a asfixiofilia, a autonepiofilia (esta é muito engraçada), a clismafilia, a estigmatofilia (tão em moda), o froterismo (ocupa o 4º lugar na lista de incidência de pacientes em tratamento - basta andar de metro para ver os seus adeptos), a gerontofilia, a hifefilia, a misofilia, a normofilia (comum na "juventude" do PP), a simforofilia (viram o Crash, do Cronenbergh?) e o toucherismo. Faltam muitas mais, mas são as que se me ocorrem agora e para um post é mais que suficiente.
Dentro destas, o fetichismo leva a palma. Contém em si uma variedade de objectos (ou partes do corpo) potencialmente desencadeadores da excitação sexual: cuequinhas, meias, sapatos, roupa de couro, etc.
O que não percebo mesmo é a atracção por antenas de rádio para automóveis. Já me roubaram três este ano! Já chega! Pervertidos do #"$%"#%&!

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